sábado, 19 de fevereiro de 2011

Para que ninguém a quisesse, de Marina Colasanti

ADORO LER A FEMINILIDADE DE MARINA COLASANTI. ELA TEM UMA SINTONIA TÃO GOSTOSA COM A ALMA FEMININA...

     Porque os homens olhavam demais para a "sua" mulher, mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso, "sua" beleza chamava a atenção, e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os sapatos de saltos altos. Dos armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as jóias. E vendo que, ainda assim, um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos.
     Agora podia viver descansado. Ninguém olhava duas vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato, não mais atravessava praças. E evitava sair.
     Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada com os móveis e as sombras.
     Um fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em "seus" dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela.
     Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À noite tirou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos.
     Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou o tecido numa gaveta, esqueceu o batom. E continuou andando pela casa de vestido de chita, enquanto a rosa desbotava sobre a cômoda.




Nenhum comentário:

Postar um comentário