domingo, 25 de maio de 2014

TENTANDO DESLIGAR O SCANNER

          Se há algo que eu tenho dificuldades de lidar, no mundo tecnológico, e que eu raramente consigo me acostumar, é o scanner. Todos os rituais que envolvem  ligar, ajustar, copiar, analisar, reajustar, salvar e enviar me deixam meio perdido e acabo fazendo algo errado. Sempre foi difícil entender o processo de cópia e reprodução, quando na verdade eu prefiro, em todos os sentidos, o original, não a cópia.
            O fato de algo ser detalhadamente reproduzido em poucos segundos é quase místico. O scanner se torna uma máquina de clones que produz, virtualmente, o que existe em materialidade.  E no final, qual dos dois se torna mais importante? O objeto escaneado, ou o arquivo virtual? Escolhemos trabalhar com o que é concreto, palpável e passível de diversas formas de interação, ou com o que escaneamos, virtualmente, e que possui as restrições dos pixels?
            Esse tipo de escolha pode ser carregada para tudo na vida, fazendo de nós um scanner humano. Escanemos pessoas, antes de nos permitirmos conhecê-las; escaneamos lugares, sentimentos, possibilidades e coisas, sem sentirmos suas múltiplas perspectivas possíveis. Basta-nos um olhar, de cima a baixo, para então arrotarmos nossas impressões corretíssimas, inequívocas, sobre o que acabamos de conhecer. Somos um scanner que capturaria a imagem da alma, mas que no final, não consegue reproduzir nada daquilo. Os pixels, geralmente, saem embaçados, confusos e ilegíveis.
Quando olhamos o mundo sob a perspectiva do scanner, criamos um perfil sob o olhar que escrutina e, a partir disso, começamos a agir com presunção e arrogância com um julgamento preliminar. Isso não serve apenas para pessoas, mas para fatos e como os interpretamos; utilizamos o scanner como elemento de proteção, mas no fundo isso nos isola mais ainda das pessoas, das experiências da vida.
Os arquivos, geralmente, vêm corrompidos de pequenas leviandades que nutrem o nosso ego e reforçam o caráter reativo que temos. Bloqueamos o que o outro pode nos oferecer em sua multiplicidade e, como se o mundo fosse passível de rápida análise, delimitamos padrões pré-estabelecidos naquele documento. Depois disso, um arquivo é criado e, com ele, definimos os padrões (que já foram anteriormente definidos, conforme nossos medos e inseguranças) a serem seguidos.
O nome do arquivo, geralmente, é sarcástico, ferino. E desse arquivo, fazemos chacota; rimos dele, bloqueamos as múltiplas possibilidades de vivenciar o todo, já que o nosso scanne gera uma imagem unidimensional, a do sarcasmo.
Como o scanner que temos de lidar não é uma máquina com manual de instruções, mas nossos sentidos, as coisas sempre saem piores do que deveriam. A incompatibilidade do “software dos sentidos” com o “software do vivenciar” é que gera uma desavença: não há como, na tecnologia da alma, associar uma impressão rasteira com o significado profundo do existir. E nosso sistema trava, nossa vida não caminha, nosso hardware acusa defeitos.
Então vem a pergunta ainda sem resposta: como deletar o nosso scanner, como desligar na tomada e cortar, de uma vez por todas, a energia que julga, rotula e restringe nossas possibilidades de vivermos completamente o que desejamos?

Para começar, o caminho pode ser tentar olhar melhor o que queremos escanear, sem a pretensão do software, mas com a simplicidade da alma. Se fizermos a atualização da nossa consciência, para termos sabedoria e compreendermos que o scanner pode servir como proteção, mas também como bloqueio, podemos começar a viver, sem a pressa tecnológica, o que a vida nos presenteia diariamente.




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