Se
há algo que eu tenho dificuldades de lidar, no mundo tecnológico, e que eu
raramente consigo me acostumar, é o scanner. Todos os rituais que envolvem ligar, ajustar, copiar, analisar, reajustar,
salvar e enviar me deixam meio perdido e acabo fazendo algo errado. Sempre foi
difícil entender o processo de cópia e reprodução, quando na verdade eu
prefiro, em todos os sentidos, o original, não a cópia.
O fato de algo ser detalhadamente
reproduzido em poucos segundos é quase místico. O scanner se torna uma máquina
de clones que produz, virtualmente, o que existe em materialidade. E no final, qual dos dois se torna mais
importante? O objeto escaneado, ou o arquivo virtual? Escolhemos trabalhar com
o que é concreto, palpável e passível de diversas formas de interação, ou com o
que escaneamos, virtualmente, e que possui as restrições dos pixels?
Esse tipo de escolha pode ser
carregada para tudo na vida, fazendo de nós um scanner humano. Escanemos
pessoas, antes de nos permitirmos conhecê-las; escaneamos lugares, sentimentos,
possibilidades e coisas, sem sentirmos suas múltiplas perspectivas possíveis.
Basta-nos um olhar, de cima a baixo, para então arrotarmos nossas impressões
corretíssimas, inequívocas, sobre o que acabamos de conhecer. Somos um scanner
que capturaria a imagem da alma, mas que no final, não consegue reproduzir nada
daquilo. Os pixels, geralmente, saem embaçados, confusos e ilegíveis.
Quando olhamos o mundo sob a perspectiva do scanner,
criamos um perfil sob o olhar que escrutina e, a partir disso, começamos a agir
com presunção e arrogância com um julgamento preliminar. Isso não serve apenas
para pessoas, mas para fatos e como os interpretamos; utilizamos o scanner como
elemento de proteção, mas no fundo isso nos isola mais ainda das pessoas, das
experiências da vida.
Os arquivos, geralmente, vêm corrompidos de pequenas
leviandades que nutrem o nosso ego e reforçam o caráter reativo que temos.
Bloqueamos o que o outro pode nos oferecer em sua multiplicidade e, como se o
mundo fosse passível de rápida análise, delimitamos padrões pré-estabelecidos naquele
documento. Depois disso, um arquivo é criado e, com ele, definimos os padrões (que
já foram anteriormente definidos, conforme nossos medos e inseguranças) a serem
seguidos.
O nome do arquivo, geralmente, é sarcástico, ferino. E
desse arquivo, fazemos chacota; rimos dele, bloqueamos as múltiplas
possibilidades de vivenciar o todo, já que o nosso scanne gera uma imagem unidimensional, a do sarcasmo.
Como o scanner que temos de lidar não é uma máquina com
manual de instruções, mas nossos sentidos, as coisas sempre saem piores do que
deveriam. A incompatibilidade do “software dos sentidos” com o “software do vivenciar”
é que gera uma desavença: não há como, na tecnologia da alma, associar uma
impressão rasteira com o significado profundo do existir. E nosso sistema
trava, nossa vida não caminha, nosso hardware acusa defeitos.
Então vem a pergunta ainda sem resposta: como
deletar o nosso scanner, como desligar na tomada e cortar, de uma vez
por todas, a energia que julga, rotula e restringe nossas possibilidades de
vivermos completamente o que desejamos?
Para começar, o
caminho pode ser tentar olhar melhor o que queremos escanear, sem a pretensão do
software, mas com a simplicidade da alma. Se fizermos a atualização da nossa consciência,
para termos sabedoria e compreendermos que o scanner pode servir como proteção,
mas também como bloqueio, podemos começar a viver, sem a pressa tecnológica, o
que a vida nos presenteia diariamente.
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