sábado, 10 de maio de 2014

AS ÁGUAS DA VIDA

Nos dias de hoje, as noções de encontro e confronto se confundem tanto, que parecemos perdidos, na multidão. Encontrar, esbarrar e confrontar são quase as mesmas coisas. Quando achamos que encontramos alguém, foi apenas um esbarrão. Quando esbarramos, nasce um confronto. E de um confronto, há uma possibilidade de encontrar alguém que valha a pena. Ou não...

O problema da mistura dessas situações é que vínculos que nascem logo morrem. Não temos a chance de semearmos afetos, elaborarmos ideias e nutrirmos sentimentos. Enterramos as possibilidades de um relacionamento com a mesma velocidade que corremos no nosso horário de almoço. E não temos, no fim, a saciedade; apenas a sensação de profundo vazio e o medo da solidão ainda mais acentuado.

Nas últimas semanas, tenho percebido, sentido e vivenciado como estamos (ou somos?) fadados à liquidez sentimental, mas de forma turva. Apagamos da memória - e do nosso corpo - a presença de pessoas com quem pensamos haver alguma esperança de romance, diluímos sentimentos, evaporamos da vista dos outros e depois condensamos nossas dores em subterfúgios ilógicos.

Essa semana, saí com três grandes amigas, para comermos e bebermos, colocarmos alguns assuntos em dia e multiplicarmos nossas exasperações, esperanças e planos. Uma garrafa de vinho e duas pizzas depois de chegarmos, já estávamos rindo e falando o que realmente pensávamos. Foi quando percebi que estávamos compartilhando, basicamente, da mesma angústia da liquidez. Discutíamos nossas vidas - eu, como sempre, com mais eventos absurdos e cômicos que as meninas, mas todos estávamos mergulhados num mar de incertezas e lacunas da vida emocional.

As representações das divindades do Amor são sempre associadas à ideia de água. E a água é impossível de ser moldada. Não se faz nada sólido ou firme com ela; podemos congelá-la, mas o resultado será uma construção fria, em que o contato físico se torna dolorido. As águas das deusas do amor são mornas, para mergulharmos, deixarmos a maré nos levar, de olhos fechados. Mas quem, hoje, tem a coragem de se entregar a essas águas, que podem nos afogar na paixão?

Mapeando minhas últimas semanas, permiti-me sentir o que eu estou tentando fazer na minha vida afetiva; o que estou pensando em construir, mas como meu material é líquido, e não se constrói nada com isso, tenho me sentido perdido, sem saber o que fazer.

Quem consegue assumir a responsabilidade de viver mergulhado num lugar em que respirar é difícil, olhar arde os olhos e segurar em algo é quase impossível?

Preferimos a dureza da terra, a firmeza dos nossos pés no chão. Preferimos a certeza de estarmos protegidos, termos o controle e o domínio sobre nossas ações e não deixarmos que o improvável tome conta de nossos planos. Mas a terra sem água é seca, infértil, incapaz de semear e nutrir. Vivemos com a fome de quem habita uma terra sem alimentos. Estamos secos, querendo a água, mas temos medo do afogamento.

No fim, conhecemos pessoas que poderiam molhar nossa alma, segurar nossas mãos num mergulho, mas as soltamos com medo de nos afogarmos. Não estamos, hoje, entendendo que encontrar alguém não é se perder. Encontrar pode ser se encontrar. Nossa perdição está nesse eterno confronto, que julgamos ser algum tipo de encontro. Confrontamos nós mesmos, pois não assumimos, no fim das contas, que somos quase totalmente feitos de água; líquidos e cheios de possibilidades de amar.








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