O cinismo remete, sempre, à ideia de
falsidade, de criar elementos que fogem do que acreditamos ser coerentes com o
que pensamos. E um de seus sinônimos é impostor! Mas seríamos, hoje,
impostores, quando falamos que acreditamos no amor, na possibilidade de durar
para sempre, quando expressamos profunda esperança no próximo, mas no fundo
temos a sensação de descrença, faltando-nos fé?
Seríamos, então, cínicos em nossa
vida afetivo-sexual, já que sempre propagamos a ideia de amor pleno e de eterna
comemoração, mas quando na verdade estamos desamparados, sozinhos, com medo e
inseguros?
Quando eu era menino, tinha alguns
gatos. Cresci com eles, foram meus grandes amigos até uns nove anos de idade.
Ali, eu acreditava na existência de um amor pleno e absoluto entre mim e
aqueles animais. Éramos só nós, ninguém poderia estragar nossa relação. Mas
tive de mudar de casa e meus pais optaram por não levar os felinos, já que um
apartamento não comportaria os bichos com o mesmo conforto de antes. Vi-me,
pela primeira vez, tendo de ser cínico: disse que não havia problemas, que me
adaptaria à vida nova, sem meus amores.
Mas não era verdade. Chorava,
escondido, com saudades dos meus amigos. Reclamava, bradava dentro dos
travesseiros a saudade que ardia em meu peito. E declarar isso seria uma vergonha;
um homenzinho não podia sentir saudades nem chorar por gatinhos. Criava
subterfúgios, acabei desenvolvendo outras formas de expressar a minha
insegurança e o meu medo por não ter por perto quem eu amava.
No fim, não adiantou nada: o que eu escondi tornara-se, em
outro nível, mais doloroso. Então o cinismo de um menino de nove resultou em
mais dor, em mais angústia. Hoje, aos trinta e dois, ainda estou remoendo essas
imagens. E fico pensando em tantas
outras vezes que fingi esperança para o mundo, quando, na verdade, era cinismo.
Trocamos a verdade de nossa alma por um preço mais barato
do que acreditamos pagarem. Vendemos
sentimentos que não são nossos e em troca, a moeda de recebimento é vazia.
Porém isso quer dizer que a esperança não exista?
Pelo contrário! A verdadeira esperança mora exatamente na
sinceridade. Quando assumimos nosso medo, quando externalizamos nossas
angústias e exorcizamos o que nos apavora conseguimos retirar a neblina pesada
do cinismo e enxergamos a luz que nos habita. Ao eliminarmos nossa tentativa de
sermos felizes, assumimos a nossa vontade de fazermos de nós mesmos um meio de
felicidade e não o seu fim.
Caso eu tivesse de abandonar de novo meus gatinhos (e
tenho abandonado alguns outros tipos de gatos de vez em quando...) em função
dos percalços da vida, o que posso dizer é que a vida é assim mesmo. A vida às
vezes parece ser uma porcaria. Mas nem sempre. E o cinismo não doura pílulas,
mas as enegrece; e qual o antídoto? Não ter esperança. Porque esperança não é uma
posse. É senti-la, é fluí-la na vida, deixar que ela venha. Pois se a esperança
vier, ela traz o que esperamos junto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário