EN MÉNAGE, LA VIE EST INFINIE ou
DAS FACES MÚLTIPLAS
If I am a little one, I can do no harm.
If I don't move about, I'll knock nothing over. So I said,
Sitting under a potlid, tiny and inert as a rice grain.
They are turning the burners up, ring after ring.
We are full of starch, my small white fellows. We grow.
It hurts at first. The red tongues will teach the truth.
Sylvia Plath, Witch Burning
Levantei-me mais cedo do que o costume, vesti-me sem muito cuidado, fui à casa de uma rainha decapitada, vi-a morta, esperando apenas o seu julgamento. Vi-me ali, sendo a testemunha de uma fé. O testemunho chamou-me a atenção. Vi-me numa situação ameaçadora: precisava livrar-me daqueles verbos, adjetivos e substantivos antes que eles se cristalizassem dentro de mim, construindo sentimentos que eu não poderia manter. E a história, então, senhor leitor, começou:
As horas, sinceramente, não me recordo, pois o relógio estava derretido, sobre meu pulso. Apenas a sensação de estar à noite, em um ambiente escuro, sem nenhuma possibilidade de respiração, aclamando por ouvidos que jamais me ouviriam. Sentia um frio quente, um medo reconfortante. Era a sensação de liberdade que tentava preencher minha alma, acorrentada às teias da realidade aprisionadora.
As horas, aquelas horas.... Elas nunca chegavam, então fui até um canto, canto musical, que chamava, feito Loreley, o meu nome. Talvez lá, eu descobri a minha liberdade pessoal, aquela que demonstra um neutro, que traduz quando as palavras ainda estão em formação em nossos pensamentos, uma escritura de deus, a feitura da própria essência humana. Foi lá, através do canto daquela sereia num canto, que senti a compreensão do mundo e daquilo que chamara de vontade. Era uma vontade.
Uma cortina se abriu. Ela era verde, cheirava a incenso de mel. Tive a previsão de que um Deus verificou-se. Toda a cortina, cuja face era de veludo, e acabava em franja de algodão, uma vez puxada pela franja, deitava-se sobre um corpo pensativo, o meu, esperando. O que eu esperava? Talvez o próprio deus. Mas ele estava ocupadíssimo.
Então resolvi cantar alguma canção estranha, inatingível, penetrante: Uksherukhot karot yis'aru bachuts
Eshlakh bekha esh chama
Yom echad ulay tafsik larutz
Ben hatzlalim
Baneshama, Baneshama
Não foi simples compreender que a minha alma necessitava daquela canção, era um detalhe que se esperava, a cada instante, rasgando a minha alma, penetrando em meu peito, olhando em meus olhos, como se eu fosse uma encarnação de uma música, de um desejo, de uma possibilidade, como se eu fosse o sonho de alguém, o desejo, a possibilidade de alguém, como se a minha única função no mundo fosse essa. Mas esse alguém jamais me encontrou. E eu?
Apaguei-me. Fui em busca de outros sonhos, resolvi libertar-me, então, daquele desesperador medo de permanecer numa paralisação, numa estagnação eterna. Então, estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.
Por que é que ver é uma tal desorganização? Há um mau-gosto na desordem de viver. Viver é, sem querer, rasga aquilo que chamamos de liberdade. Viver seria uma tentativa de se aprofundar num mundo que não existe? Tentar fugir para outros lugares, mesmo sabendo que lá não há o caminho que queremos? Acho que eu sei o motivo disso tudo. Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.
A probabilidade, a matemática, o cálculo. É esse o caminho que eu buscaria, se estivesse em outro corpo. Seria uma saída? Como, pois, inaugurar agora em mim o pensamento? E talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão. Ela seria capaz de arrancar de mim o meu direito, o meu dever, a minha natureza. Tenho medo da paixão.
Melhor buscar respostas completas, como aquelas que somos obrigados a escrever nas séries iniciais. Respostas completas sempre satisfazem àquelas professoras neuróticas, então podem satisfazer nossas ânsias e medos. De paixão.
Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
Olhei os pés de Davi. Eles estavam lá, me esperando, por algum motivo que as Moiras resolveram amarrar à minha teia da vida.